CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL
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O Sistema Financeiro Nacional foi regulado pela Constituição Federal no art. 192, que aduz ser este “estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade”. O bem jurídico tutelado portanto, “não é a instituição em si, mas o conjunto de instituições financeiras cuja função é ‘promover o desenvolvimento equilibrado do País e servir aos interesses da coletividade’” (TRF1, AC 01.000145605, Tognolo, 3ªT., m. DJ 30.9.99).
Sem um sistema financero íntegro há uma redução na circulação de riquezas, que é o que garante o desenvolvimento econômico de um país. Essa integridade do sistema, deve ser amplamente tutelada pelo Estado, de modo a permitir a circulação de riquezas, o acesso facilitado ao crédito que estimula o consumo e a produção, de forma geral.
O Sistema Financeiro Nacional pode ser conceituado como “o conjunto de órgãos que regulamenta, fiscaliza e executa as operações necessárias à circulação da moeda e do crédito na economia”.
O Sistema Financeiro pode ser dividido em Mercados ou Segmentos, quais sejam: Mercado Monetário, Mercado de Crédito, Mercado de Câmbio e Mercado de Capitais.
Os Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, previstos na Lei 7.492/86, podem ser classificados, conforme se refiram a um desses segmentos. Além disso, quanto à autoria, é possível classificá-los em crimes próprios de administrador, ex-administrador, interventor, funcionário público e crimes comuns.
Esclarecendo, há alguns crimes que só podem ser praticados por pessoas ocupantes de certos cargos, ponto que, na prática, é por diversas vezes interpretado extensivamente de forma equivocada.
Isso se dá com o gerente, por exemplo. O conceito deve ser limitado ao gerente que efetivamente administra a instituição financeira, e pode colocar em risco o sistema financeiro, em seu conjunto, e não todo e qualquer gerente de sucursal, filial ou agência. Nada impede a participação de outras pessoas, entretanto, visto que os crimes da Lei 7.492/86 não são de mão própria.
Por mais incrível que pareça, também é necessário frisar que a Lei 7.492/86 não estabelece responsabilidade criminal objetiva, sendo obviamente necessário demostrar a existência de efetiva contribuição para o crime, não bastando a mera posição jurídica prevista em lei para tanto. Assim, é necessária especial atenção à aplicação da teoria do domínio do fato nesse campo, que deve ser utilizada como limitação à culpabilidade e não extensão, nos termos da teoria desenvolvida por Claus Roxin.
Para fins penais, a Lei 7.492/86 traz em seu art. 1º um conceito específico de instituição financeira, qual seja, “a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (Vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.”.
Assim sendo, o conceito é mais restrito que o do art. 17 da Lei 4.595/64, visto que nesta última, a utilização de recursos próprios não afasta a qualidade de instituição financeira. Para fins penais, exclui-se, principalmente, o investidor individual que aplica recursos próprios.
Da mesma forma deve ser interpretado o dispositivo que prevê as entidades equiparadas a instituições financeiras, buscando proteger os recursos de terceiros geridos em atividade financeira. Nesse conceito estão abrangidos os “doleiros“, “cambistas” e “blequistas“, embora suas transferências de valores ocorram à margem do sistema oficial.
Isso não ocorre com o agiota, entretanto, visto que opera com recursos próprios. Da mesma forma, não se incluem as empresas de factoring, embora atuem com empréstimo e desconto de títulos, por “não se abrigarem no direito de regresso e nem na garantia representada pelo aval ou endosso” (STJ, HC 7.463, Fischer, 5ª T., u., DJ 22.2.99).
São consideradas instituições financeiras as empresas que se dedicam a custódia, emissão, distribuição e negociação de valores mobiliários ou títulos de bolsa, considerados genericamente como títulos negociáveis representando direitos de sócios ou de empréstimos a longo prazo, conforme previsão do art. 2º da Lei 6.385/76.
É importante ressaltar que importante parte da investigação dessa espécie de crime é realizada por órgãos de supervisão do Sistema Financeiro Nacional, quais sejam: BACEN, CVM, SUSEP e PREVIC.
Durante o exercício de suas funções, ao se deparar com fatos que possam eventualmente configurar crime, cabe aos referidos órgãos, após o termino do devido procedimento administrativo, apresentar representação para fins penais, existindo um poder-dever de apresentar tal comunicação ao Ministério Público.
Muitas vezes, em razão da complexidade da matéria envolvida, a atuação de órgãos especializados é essencial para efetiva compreensão dos fatos, razão pela qual uma defesa eficiente já nos procedimentos administrativos pode vir a evitar o início de uma persecução penal indevida.
