Controle de Constitucionalidade, Efeito Repristinatório e Repristinação

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE, EFEITO REPRISTINATORIO E REPRISTINAÇÃO

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O tema acima descrito será analisado com base no seguinte Acórdão do STF:

“EMENTA: Fiscalização normativa abstrata ? Declaração de inconstitucionalidade em tese e efeito repristinatório. A declaração de inconstitucionalidade in abstracto, considerado o efeito repristinatório que lhe é inerente (RTJ 120/64 ? RTJ 194/504-505 ? ADI 2.867/ES, v. G.), importa em restauração das normas estatais revogadas pelo diploma objeto do ?processo de controle normativo abstrato. É que a lei declarada inconstitucional, por incidir em absoluta desvalia jurídica (RTJ 146/461-462), não pode gerar quaisquer efeitos no plano do direito, nem mesmo o de provocar a própria revogação dos diplomas normativos a ela anteriores. Lei inconstitucional, porque inválida (RTJ 102/671), sequer possui eficácia derrogatória. A decisão do Supremo Tribunal Federal que declara, em sede de fiscalização abstrata, a inconstitucionalidade de determinado diploma normativo tem o condão de provocar a repristinação dos atos estatais anteriores que foram revogados pela lei proclamada inconstitucional. Doutrina. Precedentes (ADI 2.215-MC/PE, Rel. Min. Celso de Mello, Informativo/STF n. 224, v. G.). Considerações em torno da questão da eficácia repristinatória indesejada e da necessidade de impugnar os atos normativos, que, embora revogados, exteriorizem os mesmos vícios de inconstitucionalidade que inquinam a legislação revogadora. Ação direta que impugna, não apenas a Lei estadual n. 1.123/2000, mas, também, os diplomas legislativos que, versando matéria idêntica (serviços lotéricos), foram por ela revogados. Necessidade, em tal hipótese, de impugnação de todo o complexo normativo. Correta formulação, na espécie, de pedidos sucessivos de declaração de inconstitucionalidade tanto do diploma ab-rogatório quanto das normas por ele revogadas, porque também eivadas do vício da ilegitimidade constitucional. Reconhecimento da inconstitucionalidade desses diplomas legislativos, não obstante já revogados”(ADI 3.148, Rel. Min. Celso de Mello, j. 13.12.2006, DJ de 28.09.2007).

O fenômeno do efeito repristinatório das decisões do controle abstrato de constitucionalidade possui uma íntima relação com os âmbitos de existência, validade e eficácia dos atos normativos.

Sustenta-se que existem três âmbitos de análise dos atos no mundo jurídico, que funcionam como um filtro, ou como uma escada, ao passo que somente se passa ao degrau superior através do anterior.

O primeiro âmbito se refere ao da existência do ato normativo. Para que um ato exista deve conter os requisitos mínimos inerentes à noção de existência no mundo jurídico. Essa análise se limita a definir se o suporte fático é suficiente para dar existência ao ato. Por exemplo, a existência de uma lei é afirmada em face de sua publicação no órgão oficial como tal.

No segundo, dá-se atenção à validade do ato. Aqui, faz-se mais uma exigência, que se refere ao ponto principal do acórdão em estudo. Não basta que a norma exista, para que tenha validade, deve estar em conformidade com um direito ou norma superior. A validade de uma norma está relacionada à adequação material ou formal com esse direito superior, importando afirmar que uma regra pode ser inválida e, ao mesmo tempo, produzir efeitos no sistema enquanto não reconhecida a invalidade juridicamente. O que significa dizer que, até que o Supremo Tribunal Federal decida pela inconstitucionalidade de uma norma, esta produzira efeitos no mundo jurídico.

Note-se que a validade de uma norma deve ser auferida no momento de sua criação, no momento em que ela surge no ordenamento jurídico. Assim sendo, não há que se falar, em regra, em inconstitucionalidade ou constitucionalidade superveniente. Muito se discute quanto à possibilidade de ocorrência de tais exceções nos casos de mutação constitucional, e em um caso específico, referente à criação irregular de municípios até a edição da EC nº 57/08, que os convalidou.

Por fim, a eficácia se refere justamente à aptidão para produção concreta de efeitos. Refere-se à vigência da norma.

O efeito repristinatório das decisões do controle concentrado, é importante ressaltar, difere do instituto da repristinação. Enquanto a repristinação somente ocorre por expressa previsão legal, o efeito repristinatório se dá em face da inconstitucionalidade de uma norma revogadora.

Como se sabe, o ato inconstitucional apresenta vício congênito, nasce eivado de nulidade. Ou seja, nunca produziu efeitos, visto que nunca esteve apto para tanto, jamais ultrapassando o plano da validade.

Assim sendo, quando uma norma inconstitucional vem ao mundo com a intenção de revogar uma norma anterior, tal efeito nunca se dará. Assim, a lei anterior nunca perdeu eficácia.

Portanto, quando se fala em um “efeito repristinatório”, o que temos na realidade é a continuidade temporal da vigência de uma lei, sem nenhuma interrupção real, ao contrário do instituto da repristinação, onde há uma ruptura da vigência por lei revogadora e o seu retorno por disposição expressa em ato normativo posterior.

No caso em análise, nota-se que não só a lei revogadora era inconstitucional como também os diplomas legislativos por ela revogados. Observe-se que, portanto, nem a lei revogadora, nem os diplomas revogados possuem validade. Porém, caso a formulação dos pedidos se limitasse à declaração de inconstitucionalidade da lei revogadora, isso não afetaria a presunção de validade dos diplomas legislativos anteriores, que, sem interrupção de sua vigência, voltariam a ser aplicados, até a sua própria declaração de inconstitucionalidade.

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Guilherme Schmidt
Advogado
OAB/SP 344.761