A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Non scholae, sed vitae discimus
Antigamente se pensava que os direitos fundamentais incidiam apenas na relação entre o cidadão e o Estado. Trata-se da chamada “eficácia vertical”, ou seja, a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre um poder “superior”(o Estado) e um “inferior”(o cidadão).
Em meados do século XX, surgiu na Alemanha a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que defendia a incidência destes também nas relações privadas (particular-particular). É chama eficácia horizontal ou efeito externo dos direitos fundamentias (horizontalwirkung), também conhecida como eficácia dos direitos fundamentais contra terceiros (drittwirkung).
Em suma: pode-se dizer que os direitos fundamentais se aplicam não só nas relações entre o Estado e o cidadão (eficácia vertical), mas também nas relações entre os particulares-cidadãos (eficácia horizontal).
Surgiram várias teorias sobra a eficácia horizontal dos direitos fundamentais. As mais importantes são:
1) Teoria da eficácia indireta e mediata: para os partidários dessa teoria, os direitos fundamentais aplicam-se nas relações jurídicas entre os particulares, mas apenas de forma indireta (mediata), por meio das chamadas cláusulas gerais do Direito Privado.
2) Teoria da eficácia direta e imediata: defendida na Alemanha por setores minoritários da doutrina e da jurisprudência, essa foi a tese que prevaleceu no Brasil, inclusive no Supremo Tribunal Federal.
Segundo o que preconiza essa corrente, os direitos fundamentais se aplicam diretamente às relações entre os particulares. É dizer: os particulares são tão obrigados a cumprir os ditames dos direitos fundamentais quanto o poder público o é. As obrigações decorrentes das normas constitucionais definidoras dos direitos básicos têm por sujeito passivo o Estado (eficácia vertical) e os particulares, nas relações entre si ( eficácia horizontal direta ou imediata).
Essa teoria é aceita no Brasil, tanto pelo STF quanto pelo STJ. Um exemplo de aplicação prática da eficácia horizontal foi a decisão do STF que impôs à Air France (empresa privada) igualdade de tratamento entre trabalhadores franceses e brasileiros, bem como o acórdão, também do Supremo Tribunal Federal, que impôs a obrigatoriedade do respeito à ampla defesa para a exclusão de associado em associação privada.
Os direitos fundamentais são absolutos? Como resolver eventual colisão?
Nenhum direito fundamental é absoluto. Com efeito, direito absoluto é uma contradição em termos. Mesmo os direitos fundamentais sendo básicos, não são absolutos, na medida em que podem ser relativizados.
Primeiramente, porque podem entrar em conflito entre si – e, nesse caso, não se pode estabelecer a priori qual direito vai “ganhar”o conflito, pois essa questão só pode ser analisada tendo em vista o caso concreto. Ex: direito à vida x liberdade de religião;direito à intimidade x liberdade de informação jornalística. Nesses casos de conflito, não se pode estabelecer abstratamente qual o direito que deve prevalecer: apenas analisando o caso concreto é que será possível, com base no critério da proporcionalidade (cedência recíproca), definir qual direito deve prevalecer.
Mesmo assim, deve-se buscar uma solução “de consenso”, que, com base na ponderação, dê a máxima efetividade possível aos dois direitos em conflito “não se deve sacrificar totalmente nenhum dos direitos em conflito”.
E, em segundo lugar, nenhum direito fundamental pode ser usado para a prática de ilícitos. Então – repita-se – nenhum direito fundamental é absoluto.
Como ressalta Paulo Gustavo Gonet Branco:
“(…) os direitos fundamentais podem ser objeto de limitações, não sendo, pois, absolutos (…) Até o elementar direito à vida tem limitação explícita no inciso XLVII, a, do art 5º, em que se contempla a pena de morte em caso de guerra formalmente declarada”.
Todavia, essas limitações que os direitos fundamentais sofrem não são ilimitadas, ou seja, não se pode limitar os direitos fundamentais além do estritamente necessário.
Por outro lado, a restrição aos direitos fundamentais só é admitida quando compatível com os ditames constitucionais e quando respeitados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Segundo a jurisprudência alemã, acolhida pelo Supremo Tribunal Federal, o princípio da proporcionalidade – que se subdivide nos subprincípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito – é parâmetro de controle das restrições levadas a cabo pelo Estado em relação aos direitos fundamentais dos cidadãos.
De acordo com o Konrad Hesse:
“A limitação de direitos fundamentais deve, por conseguinte, ser adequada para produzir a proteção do bem jurídico, por cujo motivo ela é efetuada. Ela deve ser necessária para isso, o que não é o caso, quando um meio mais ameno bastaria. Ela deve, finalmente, ser proporcional em sentido restrito, isto é, guardar relação adequada com o peso e o significado do direito fundamental”.
Jurisprudência: STF, Pleno, RMS 23.452/RJ, Relator Ministro Celso de Mello:
“OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.”
